quarta-feira, 29 de agosto de 2012

O conto do derrotado


Talvez os olhos das pessoas tenham algum tipo de maldade, ou apenas são muito audaciosos para julgar.
Mas lá estava ele: Bebado, participando de uma briga infindável com alguém aparentemente invisível. As pessoas costumavam ignora-lo quando o viam na rua, coisa que já era de se esperar, pois era apenas um mendigo sujo e largado.
Desde que me recordo, o pobre coitado nunca teve uma pessoa para se apoiar. Ele sempre tentou viver sua vida sem incomodar as pessoas com suas necessidades, mas deve ter se esquecido disso conforme as coisas iam ficando complicadas. O rosto pálido e sua cara de poucos amigos talvez sempre espantassem quem tentava lhe ajudar. Assim como seu hálito de alcool e suas palavras confusas acabavam irritando as pessoas que ainda pensavam que ele poderia ser alguém.

Após muito tempo vivendo nas ruas e lutando para não morrer de fome, ele decidiu que colocaria um fim em sua vida trágica e sem significado. Sem muito esforço achou uma ponte, a mesma daonde se jogaria sem nem pensar duas vezes.
Ou não.
Por um momento, ele pensou. Tentou dar a si mesmo motivos para não desperdiçar sua vida de um jeito tão... rápido. Porém, não conseguiu, ja que se lembrou apenas de frustradas tentativas de se erguer. Seus olhos então se encheram de lágrimas, e ele se sentou. Tentou lembrar se algum dia alguém havia sido bondoso com ele, coisa que não conseguiu. Lembrou de alguns momentos engraçados para ele, mas ao mesmo tempo embaraçosos. Levantou-se e dirigiu-se ao extremo da ponte, olhando para baixo. Talvez fosse o certo a se fazer, não é mesmo? 

Quado estava prestes a pular, ouviu alguém gritando pelo seu nome. Não que ninguém soubesse o nome dele, mas ''hey você'' era a coisa mais próxima que ele ja teve de um nome. Quando olhou para trás se deparou com uma bela moça, de olhos castanhos e brilhantes. Achou que era bobagem, e virou-se para sua morte inevitável. Nem tão inevitável assim, pois olhou mais uma vez quando a moça chamou. Ela dizia a ele que ele não deveria fazer uma bobagem dessas, dado que a vida não teria sorrido para ele apenas por enquanto.
Vagarosamente virou-se para pular mais uma vez, quando escutou que ela poderia lhe dar uma chance. Incrédulo, ele parou para escutar.

''Deixe-me ajuda-lo a ser alguém! Você com certeza merece!'' - Dizia a bela moça. Sem palavras e nem ações, ficou um tanto quanto assustado e agradecido. Era a primeira vez em toda sua inútil existência que alguém de fato tenha estendido a mão para ajuda-lo, e não estapeá-lo.
A boa mulher o levou para um pensão, aonde se comprometeu a pagar o aluguel até que ele pudesse se erguer e, de fato, ser alguém. Como não havia dinheiro para nada, ela comprou algumas roupas e entregou nas mãos do seu mais novo amigo.
Como mostra de gratidão, ele abaixou a cabeça e agradecia sem parar.

Passados alguns meses, o derrotado ja podia ser considerado uma pessoa de verdade. Com cabelos cortados, dentes escovados, roupa nova e até que uma boa aparência, saiu a procura de emprego.
Regularmente, sua salvadora lhe fazia uma visita, levando alguns mantimentos para que ele pudesse se alimentar um pouco melhor do que de fato podia.
Após alguns dias de procura, conseguiu um trabalho em um mercado, o primeiro de toda sua vida. Contente com sua evolução, a mulher sentia que criava alguém muito bom e merecedor de uma grande felicidade.

Anos se passaram e o derrotado, que se tornou um alguém, agora ja era considerado uma pessoa importante. Com o dinheiro que guardou depois de tantos anos, conseguiu abrir um restaurante. Com o lucro do mesmo, abriu outro e mais outro e mais outro, até ter uma rede relativamente grande. O dinheiro começava a jorrar como água em sua vida, agora cheia de luxo, prata, mulheres, carros e noitadas.
As vezes, sua salvadora continuava o visitando em sua nova casa, bem maior do que a sua, e muito melhor equipada. Sempre humilde, ela vinha perguntar ao seu amigo como ele andava, e agora rico e impaciente, respondia sempre que bem e que não tinha tempo para conversar.

Sua amiga, por mais que fosse menosprezada, continuava sentindo uma enorme compaixão por ele, lembrando-se sempre que ela foi a responsável por hoje ele estar vivo, e de fato, feliz.
Muito simples, chegava em sua casa e sentada no sofá, re-lembrava de quando eles passavam a noite conversando sobre a vida dificil de seu colega, e por mais que não admitisse, sofria um pouco por não ter mais isso com ele.
Sabia que agora tudo mudou e que ele ja não tinha mais o tempo de antes, mas tinha certeza que ele sempre seria grato a ela pelo o que ela fez.

Alguns anos mais tarde, ela caiu doente em sua cama. Com apenas alguns meses de vida, tudo o que ela queria era seu antigo amigo ao seu lado. Por mais que toda sua família estivesse ao seu ali chorando os ultimos momentos, ela desejava mesmo era uma única pessoa. Cada vez mais convicta que ele não viria, ela se contentava com a idéia de se lembrar dos bons momentos que passaram juntos. Ela prefere pensar que ele não sabe de sua condição, do que ele não tem tempo ou até mesmo vontade de ir visita-la.
Por fim, faleceu. Segurando em suas maõs uma foto que haviam tirando assim que ele começou a trabalhar naquele velho mercado, ela partiu para um mundo do qual não conhecemos ainda.

Para surpresa de todos, ele não poderia se importar menos com a morte de sua salvadora. Ele estava ocupado demais em uma festa com dezenas de mulheres e regado a muita bebida. ''Ela ja me trouxe até aqui, porqure eu precisaria dela mesmo?'' Dizia a todos que perguntavam sobre seu descaso.
Com o dinheiro vindo cada vez mais rápido, começou a apostar e gastar tudo o que tinha em festas e mais festas, em mulheres e clubes de sucesso. As pessoas ja não queriam mais sua presença, porque sempre estava bebendo e causando confusão. Sem ter sua salvadora por perto para lembrar a ele de onde ele veio, ele acabou torrando tudo o que tinha com diversão. Seus restaurantes não faziam muito sucesso como antes. Teve que fechar vários pois não tinha dinheiro para pagar todos os funcionários. E quanto menos ganhava, mais ele gastava. Sua mania de poder não fugia de sua cabeça de jeito nenhum, e parecia aumentar a cada segundo que passava.

Por fim, faliu. Trouxe consigo para as ruas nada além de algumas roupas, e uma vida de inveja jogada no lixo. Os falsos amigos que tinha desapareceram com o vento, assim com todo seu dinheiro. Mais uma vez estava na rua, o que não era exatamente um problema pois saberia sobreviver.
Pena que tanto tempo no luxo e na riqueza o deixaram mal-acostumado. Ainda sonhava com tudo o que um dia teve, e como deixou tudo escapar tão facilmente. No frio da noite, resolveu por em prática o plano que ele abandonou anos atrás.

Quando chegou na mesma ponte, preparou-se para pular. Mais uma vez desistiu e sentou-se a chorar. Mais uma vez, ele tentou dar a si mesmo motivos para não desperdiçar sua vida que um dia ja valeu muito. Só conseguiu se lembrar de sua salvadora, pensando o quão idiota foi por deixa-la morer sozinha, e que poderia ter feito algo para isso não acabar assim. 
Chorou mais um pouco e levantou-se. Em uma última tentativa olhou para trás, mas dessa vez não havia ninguém chamando seu nome.
Engoliu o medo e pulou.


Até hoje as ruas da cidade contam a história do derrotado que um dia teve tudo, e no outro nada. Todos temem que seus filhos se tornem tão mesquinhos quanto ele, e tão solitários e esquecidos como sua salvadora.

No seu enterro não compareceu ninguém. As pessoas não se importavam mais com ele. 
Até hoje ele está enterrado no canto mais esquecido do cemitério.

Em sua lápide, pode ser lido as palavras
''Do pó vieste, ao pó voltará''.




Fim.

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